"Circula na internet, com sádica insistência, um texto intitulado "MEDO CAUSADO PELA INTELIGÊNCIA" descrevendo um episódio (real ou imaginário) da vida de Sir Winston Leonard Spencer-Churchill - Churchill para os íntimos. Em resumo, é o seguinte: Churchill, ainda jovem, acabara de pronunciar seu primeiro discurso na Câmara dos Comuns, quando foi abordado por um velho parlamentar que fez esta admoestação: - "Meu jovem, você cometeu um grande erro. Foi muito brilhante para um primeiro discurso. Isso é imperdoável! Devia ter começado mais na sombra, devia ter gaguejado... a inteligência que você demonstrou hoje deve ter atraído, no mínimo, uns trinta inimigos contra sua pessoa. O talento assusta!" - Não gosto dessa historinha, principalmente porque vem acompanhada de débeis comentários considerando a lição do velho como algo edificante. Não é. No desenvolvimento do texto, que a cada versão aparece modificado para pior, o ancião reconhece que a Câmara dos Comuns era uma “assembléia de vedetes políticas” - seria também ele uma dessas vedetes? ou apenas um inoportuno amigo do pai de Winston? Um grandessíssimo amigo-da-onça, isso sim! De forma melosa, a narrativa tenta conquistar a simpatia dos leitores descrevendo que “o velho pôs a mão no ombro de Churchill e disse, em tom paternal...” Em verdade, tom invejoso, paternal jamais! Que pai aconselharia o filho a gaguejar na sombra sabendo do seu preparo e inteligência? O pai de Winston era Lord Randolph Henry Spencer-Churchill, Membro do Parlamento e ex-aluno do centenário Eton College. Ele jamais colocaria a mão no ombro do filho para transmitir uma asneira desse quilate como herança. Já o mau parlamentar tentou iniciar o jovem Churchill na arte da simulação e da mentira. Quis fazer dele mais um ator na longa fila dos malandros e astuciosos, dos fingidos e hipócritas. Velha raposa da Câmara, ele já sabia de antemão o número de inimigos atraídos - "no mínimo uns trinta". A mão no ombro, aparente intimidade e falsa carícia, equivale ao tapinha-nas-costas e ao beijo de Judas. Felizmente, Winston Churchill não deu ouvidos ao calhorda. Permaneceu verdadeiro, direto, corajoso e firme em suas posições e opiniões. Foi por esses degraus que ele se tronou escritor, historiador, e brilhante orador. O mundo reconhece e reverencia sua memória como grande estadista, oficial do Exército Britânico, duas vezes primeiro-ministro, principal estrategista, líder e articulador diplomático durante a Segunda Guerra. Como artista, pintou vários quadros de valor e recebeu o Prêmio Nobel de Literatura. Foi o primeiro político europeu agraciado como cidadão honorário dos Estados Unidos. Portanto, Winston desmentiu a balela de que se deve começar na sombra e gaguejando. O velho parlamentar é que permaneceu na obscuridade e acabou desaparecendo na areia movediça da História. Ninguém sabe o nome daquele pífio conselheiro. Há mais uma impropriedade nessa piada quando o homem disse: - “Você foi muito brilhante para um primeiro. Isso é imperdoável!”. Imperdoável não é ser inteligente. Imperdoável é ser mentiroso, é mascarar o pensamento ou o sentimento com o intuito de ser bem aceito, bem eleito ou bem nomeado. Imperdoável é prometer e não cumprir; é driblar a lei para conseguir alguma mamata. Imperdoável é falar do que não se sabe e de má-fé. Imperdoável é ensinar errado, é ostentar um conhecimento falso. Imperdoável é a picaretagem e a maracutaia. Se prevalecesse a vã filosofia de gaguejar nas primeiras vezes, tropeçar e ficar encolhido na sombra, não existiriam Cícero, nem Mozart, Pascal, Rui Barbosa, Stephen Hawking, Garry Kasparov, Bill Gates e outros tantos. Teríamos só macacos ensinados. - Não nasci ontem, nem venho de anteontem. Quando Winston Churchill morreu, eu tinha 19 anos e, logo depois, na Universidade, mergulhado com meus colegas na fartura daquela biblioteca líamos, em inglês, a autobiografia de Churchill “My Early Life”; e não me lembro de ter topado com a história jocosa do famigerado parlamentar e seus desconselhos... Seria uma nota de pé de página? Mas, há um ponto que merece ser ressaltado: a inteligência assusta e o talento atrai inimigos. Isso é verdade. Os que têm inteligência não podem ser admitidos nas assembléias das vedetes porque a burrice precisa de espaço para nadar de braçada. Nessas assembléias a estultice chega sempre na frente e ocupa os primeiros lugares. Mas é na inteligência que progresso se apóia. - Nós, os mais velhos, no uso possível dos dons da moderação, da temperança e da sensatez temos o DEVER de indicar novos caminhos aos aprendizes da vida e recomendar-lhes o seguinte: - que se preparem antes do primeiro discurso e continuem estudando sempre antes de proferir qualquer outro discurso e pelo resto de suas vidas. Que falem e escrevam somente do que souberem e for garantido pela Ciência, pela História, pela Filosofia; e que, assim, não inventem nada por conta própria. (O mundo está repleto de pessoas que estudam e, quando menos esperamos, alguém mais credenciado lê o que escrevemos e ouve o que falamos do alto da tribuna.) Nós, os mais velhos, temos o dever de recomendar aos jovens aprendizes um movimento amplo, largueza de espírito, extrema liberdade e que questionem sempre! mesmo que o livre pensamento custe algumas amizades, gere inimizades e perdas aparentes. A gente só perde o que realmente nunca possuiu. E temos que ensinar por intermédio do exemplo essas verdades: que a autoridade não pode ser colocada acima da verdade. E que a honra para se ocupar posições entre os homens deve originar-se do voto livre ou do mérito público e notório - jamais do tapinha-nas-costas. Tudo isso Sir Winston Leonard Spencer-Churchill aprendeu sem dar ouvidos àquela pretensa "lição de abismo" que serviria, no máximo, para empurrá-lo em direção ao buraco."
José Maurício Guimarães
Comments